Análise do livro O cortiço


Análise da obra "O cortiço de Aluísio de Azevedo"

Tendo como cenário uma habitação coletiva, o romance difundi as teses naturalistas, que explicam o comportamento dos personagens com base na influência do meio, da raça e do comportamento. O cortiço foi publicado em 1890, em meio à atividade febril de produção literária a que Aluísio se viu obrigado a profissionalizar-se como escritor.
O romance tornou-se peça chave para o melhor entendimento do Brasil do século XIX. É um recorte sociológico, representando as relações entre o elemento português, que explora o Brasil em sua ânsia de enriquecimento, e o elemento brasileiro, apresentado como inferior e explorado pelo português. A obra tem influência do romance L’Assomoir, do escrito francês Émile Zola, que prescreve um rigor científico na representação da realidade. Seguindo o método naturalista (terias filosóficas como o determinismo e o evolucionismo) Aluísio faz uma crítica contundente e coerente da realidade corrompida combatendo a degradação causada pela mistura de raças.
Na elaboração de O cortiço, Aluísio Azevedo seguiu a técnica de Zola. Visitou inúmeras habitações coletivas do Rio de janeiro interrogando lavadeiras, capoeiras, vendedores, cavouqueiros, observou-lhes a linguagem; escutou atento os ruídos coletivos dos cortiços; sentiu-lhes o cheiro, viu-lhes a promiscuidade e notou que as coletividades, apesar de divergirem, são ligadas por um estranho sentimento de classe, que as une, nos momentos mais críticos, quando são esquecidos os ódios e as divergências. Com toda essa “documentação”, Aluísio criou o enredo em torno de um problema social que se tornava mais grave, com a formação de grandes massas urbanas proletárias, constituídas em boa parte pelos operários dos primórdios da industrialização do país.
O NATURALISMO
O Naturalismo surgiu como consequência do Realismo, porém procurava levar a literatura a se integrar no grande movimento da ciência para justificar os fatos cientificamente. Vale lembrar que o século XIX conheceu um desenvolvimento científico sem precedentes. A literatura realista procurava basear-se numa observação minuciosa  da realidade, retratava o homem e a sociedade a partir do ambiente, dos costumes, das atitudes, dos comportamentos. O naturalismo, além de observação minuciosa, fundamentava-se nas teorias científicas da época.
No Naturalismo, o romance era visto como uma “experiência”, um “documento” em torno do comportamento individual e social. Os naturalistas eram deterministas, pois acreditavam que o comportamento do homem era determinado pela raça (o fator biológico, genético); pelo meio (o fator social) e pelo momento (o fator histórico). O romance valeria com uma experiência cientifica, se a realidade fosse observada com precisão e os fatores determinantes fossem equacionados com precisão.
O romance naturalista preocupava-se com o coletivo, os escritores eram pessimistas em relação à natureza, ao homem e à sociedade. A idealização da natureza, do século XVIII (iluminismo) e do Romantismo, século XIX, é abandonada. Para os naturalistas o homem era visto, por natureza, roído por defeitos, por moléstias psíquicas e físicas.     
Os naturalistas rejeitavam as idealizações e o subjetivismo dos românticos. Como realistas acreditavam que essas idealizações e esse subjetivismo eram uma péssima forma de engano e deseducação das pessoas. Assim,  afastavam –se do romantismo tanto nos métodos de composição (observação e ciência, ou pseudociência, são usados em lugar da fantasia), quanto nos temas tratados e no estilo utilizado. Os temas refletem a visão crítica e pessimista do movimento: no plano individual, a animalização do homem, visto em seu aspecto instintivo, em suas taras e aberrações, sobretudo sexuais; no plano coletivo, os aspectos decadentes e perversos da monstruosidade das elites.
Quanto ao estilo, os naturalistas e os realistas em geral, procuravam representar a realidade diretamente, e não através da idealização, como símiles, comparações, metáforas. Estas últimas figuras tendem à idealização; por isso, os realistas preferem a metonímia e a sinédoque, figuras em que um objeto é substituído não por outro parecido, como na metáfora, mas por outro que tem relação real com ele, por achar próximo, no mesmo contexto. A diferença pode ser percebida se compararmos uma metáfora romântica, como “lábios de mel”, que Alencar usa para descrever a boca de Iracema, com uma sinédoque realista, como “ombros nus”, com que Tolstói indica mulheres de vestido decotado, com a substituição do todo (as mulheres) pela parte (os ombros).
No Brasil, a obra mais significativa que se pode considerar naturalista é O cortiço, o melhor livro de Aluísio de Azevedo.
 NARRADOR
A obra é narrada em terceira pessoa, sendo o narrador onisciente (que tem conhecimento de tudo), como propunha o movimento naturalista. O narrador tem poder total na estrutura do romance: entra nos pensamentos dos personagens, faz julgamentos e tenta comprovar, como se fosse um cientista, as influências do meio, da raça e do momento histórico,
O foco da narração, a princípio, mantém uma aparência de imparcialidade, como se o narrador se apartasse, à semelhança de um deus, do mundo por ele criado. Mas isso é ilusório, porque o procedimento de representar a realidade de forma objetiva já configura uma posição ideologicamente tendenciosa.

TEMPO
O tempo é trabalhado de maneira linear, com princípio, meio e desfecho da narrativa. A história se desenrola no Brasil do século XIX, sem precisão de datas. Há, no entanto, que ressaltar a relação do tempo com o desenvolvimento do cortiço e com o enriquecimento de João Romão.
ESPAÇO
São dois os espaços explorados na obra. O primeiro é o cortiço, amontoado de casebres mal-arranjados, onde os pobres vivem. Esse espaço representa a mistura de raças e a promiscuidade das classes baixas. Funciona como um organismo vivo, como foi visto. Junto ao cortiço estão a pedreira e a taverna do português João Romão.
Primeiro espaço


Segundo espaço, que fica ao lado do cortiço, é o sobrado aristocratizante do comerciante Miranda e de sua família. O sobrado representa a burguesia ascendente do século XIX. Esses espaços fictícios são enquadrados no cenário do bairro de Botafogo, explorando a exuberante natureza local como meio determinante. Dessa maneira, o sol abrasador do litoral americano funciona como elemento corruptor do homem local.
Segundo espaço

PERSONAGENS
Os personagens são psicologicamente superficiais, ou seja, há a primazia de tipos sociais. Os principais são:
·         João Romão – taverneiro português, dono da pedreira e do cortiço. Representa o capitalista explorador.
·         Bertoleza – quitandeira, escrava cafuza que mora com João Romão, para quem ele trabalha como uma máquina.
·         Miranda – comerciante português. Principal opositor de João Romão. Mora num sobrado aburguesado, ao lado do cortiço.
Jerônimo
·         Jerônimo – português “cavouqueiro”, trabalhador da pedreira de João Romão, representa a disciplina do trabalho.
Rita baiana

·         Rita Baiana – mulata sensual e provocante que promove os pagodes no cortiço. Representa a mulher brasileira.
·         Piedade – portuguesa que é casada com Jerônimo. Representa a mulher europeia.
·         Capoeira Firmo – mulato e companheiro que se envolve com Rita Baiana.
·         Arraia-miúda – representada por lavadeiras, caixeiros, trabalhadores da pedreira e o policial Alexandre.
ENREDO
O livro narra inicialmente a saga de João Romão, ambicioso, rumo ao enriquecimento. Para acumular capital, ele explora os empregados e se utiliza de furtos para conseguir atingir seus objetivos. João Romão é o dono do cortiço, da taverna e da pedreira. Sua amante, Bertoleza, o ajuda de domingo a domingo, trabalhando sem descanso.
Em oposição a João Romão, surgi a figura de Miranda, o comerciante bem estabelecido que cria uma disputa acirrada com o taverneiro por uma braça de terra que queria comprar para aumentar seu quintal. Não havendo consenso, há o rompimento provisório das relações de amizade entre os dois.
Com inveja de Miranda, que possui condição social mais elevada, João Romão trabalha arduamente e passa por privações para enriquecer mais que seu opositor. Um fato, no entanto, muda a perspectiva do dono do cortiço: Miranda recebe o título de barão. João Romão entende que não basta ganhar dinheiro, é necessário também ostentar uma posição social reconhecida, frequentar ambientes requintados, adquirir roupas finas, ir ao teatro, ler romances, ou seja, participar ativamente da vida burguesa.
No cortiço, paralelamente, estão os moradores de menor ambição financeira. Destacam-se Rita Baiana e Capoeira Firmo; Jerônimo e sua mulher Piedade;  Pombinha, moça franzina que se desencaminha por influência das más companhias; a Machona, lavadeira gritalhona, cujos filhos não se pareciam uns com os outros e outros.
Um exemplo de como o romance procura demonstrar a má influencia do meio sobre o homem é o caso do português Jerônimo, que tem uma vida exemplar até cair nas graças da mulata Rita Baiana. Opera-se uma transformação no português trabalhador, que muda todos os seus hábitos. No cortiço há festas com certa freqüência, destacando-se nelas Rita Baiana como dançarina provocante e sensual, o que faz Jerônimo perder a cabeça. Firmo, enciumado, acaba brigando com Jerônimo e abre a barriga do rival com uma navalha e foge. Naquela mesma rua, outro cortiço se forma. Os moradores de João Romã o chamam de “Cabeça-de-gato, onde Firmo passara a morar.
Jerônimo que havia sido internado em um hospital após a briga com Firmo; arma uma emboscada traiçoeira e o mata a pauladas, fugindo em seguido com Rita Baiana, abandonando a mulher.
A relação entre o Miranda e João Romão melhora quando o comerciante recebe o título de barão e passa a ter superioridade sobre o oponente.  João Romão, após um incêndio em vários barracos do cortiço, reconstrói o cortiço, dando-lhe nova feição, e pretende realizar um objetivo que há tempos vinha alimentando: casar-se com uma mulher “de fina educação”, legitimamente. O cortiço todo muda perdendo o caráter desorganizado e miserável para se transforma na Vila João Romão.
João Romão aproxima-se de Miranda por intermédio de Botelho, um velho que mora com a família Miranda, mediante o pagamento de vinte contos de réis e pede a mão da filha do comerciante em casamento. Há, no entanto um empecilho: Bertoleza. João Romão arranja um plano para livra-se dela: manda um aviso aos antigos proprietários da escrava, denunciando-lhe o paradeiro. Pouco tempo depois, surge a polícia na casa de João Romão para levar Bertoleza aos seus antigos senhores. A escrava compreende o destino que lhe estava reservado, suicida-se, cortando o ventre com a mesma faca com que estava limpando o peixe para a refeição de João Romão.
Aspectos centrais
  •   Romance social
Segundo Alfredo Bosi, para montar o enredo, Aluísio ateve-se à sequência de descrições muito precisas, onde cenas coletivas e tipos psicologicamente primários fazem, no conjunto, do cortiço, a personagem mais convincente do nosso romance naturalista.
O cortiço é gerador de tudo e feito à imagem de seu proprietário, cresce,  desenvolve-se e se transforma com João Romão. Todas as existências se entrelaçam e repercutem uma nas outras.
  •  Crítica do capitalismo selvagem
O tema do romance é a ambição e a exploração do homem pelo próprio homem. De um lado João Romão, que aspira à riqueza, e Miranda, já rico, aspira à nobreza. Do outro lado “a gentalha”, caracterizada como um conjunto de animais, movido pelo instinto e pela fome.
  •     A redução das criaturas ao nível animal (zoomorfização), característica do Naturalismo revelando a influência das teorias da Biologia do século XIX (darwinismo) e o Determinismo (raça, meio, momento).
...depois de correr meia légua, puxando uma carga superior às suas forças, caiu morto na rua, ao lado da carroça, estrompado como uma besta.
Leandra... a ‘Machona’, portuguesa feroz, berradora, pulsos cabeludos e grossos, anca de animal do campo.
Rita Baiana... uma cadela no cio.
  •   A força do sexo
Em o Cortiço, o sexo é a força mais degradante que a ambição e a cobiça. A supervalorização do sexo, típica do determinismo biológico e do naturalismo, conduz Aluisio a focalizar diversas formas de “patologia” sexual: “acanalhamento” das relações matrimoniais, adultério, prostituição, lesbianismo etc.
  •   Os tipos humanos
João Romão
E seu tipo baixote, socado, de cabelos à escovinha, a barba sempre por fazer, ia vinha da pedreira para a venda, da venda às hortas e ao capinzal, sempre em mangas de camisa, tamancos, sem meias...
Albino
Fechava a fila das primeiras lavadeiras, o Albino, um sujeito afeminado, fraco, cor de aspargo cozido e com um cabelinho castanho, deslavado e pobre, que lhe caía, numa só linha, até o pescocinho mole e fino.
Botelho
Era um pobre-diabo caminhando para os setenta anos, antipático, cabelo branco, curto e duro como escova, barba e bigode do mesmo teor; muito macilento, com uns óculos redondos que lhe aumentavam o tamanho da pupila e davam-lhe à cara uma expressão de abutre...
Podemos observar nestes trechos excelentes exemplos de descrição realista e objetiva.
  •   A situação da mulher
As mulheres são reduzidas a três condições: primeira, objeto, usadas e aviltadas pelo homem: Bertoleza e Piedade; segunda, de objeto e sujeito, simultaneamente: Rita Baiana; terceira, de sujeito, são mas que se independem do homem, prostituindo-se: Leonie e Pombinha.

Alegoria do Brasil
Mais do que empregar os preceitos do Naturalismo, a obra mostra práticas recorrentes no Brasil do século XIX. Na situação de capitalismo incipiente. O explorador vivia muito próximo ao explorador, daí a estalagem de João Romão estar junto aos pobres moradores do cortiço. Ao lado, o burguês Miranda, de projeção social mais elevada que João Romão, vive em seu palacete com ares aristocráticos e teme o crescimento do cortiço. Por isso pode-se dizer que O Cortiço não é somente um romance naturalista, mas uma alegoria do Brasil.
O autor naturalista tinha uma tese a sustentar sua história. A intenção era provar, por meio da obra literária, como o meio, a raça e a história determinam o homem e o levam à degenerescência.
A obra está a serviço de um argumento. Aluísio se propõe a mostrar que a mistura de raças em um mesmo meio desemboca na promiscuidade sexual, moral e na completa degradação humana.  Além disso, o livro mostra, também, a imensa desigualdade social.

Este texto é uma adaptação da análise feita pelo professor Fernando Teixeira de Andrade do Curso e Colégio Objetivo e do Guia do Estudante: Literatura, Vestibular, 2008.
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http://abfocortico.blogspot.com.br
http://lerantesdemorrer.wordpress.com/tag/o-cortico http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/literatura/cortico-analise-obra-aluisio-azevedo-700292.shtml








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